Depois da pandemia que futuro?
Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto
Uma crise sanitária como a que vivemos, por causa da pandemia do COVID 19, corre sempre o risco de se tornar num salto no desconhecido. No desconhecido social e económico.
Agora que procuramos voltar, aos poucos e de uma forma faseada, à normalidade possível, vamos compreender que temos novos desafios para enfrentar.
Dos desafios mais evidentes será avaliar o nosso comportamento futuro. O confinamento além de ter valido para efeitos de saúde pública ajudou a afirmar a nossa solidariedade interpessoal?
Ajudou a ter uma outra noção do mundo e do nosso papel nele?
Estas são algumas das perguntas que poderemos colocar, mas muitas outras poderiam ser acrescentadas. As respostas é que podem ser mais difíceis de obter. Considero, contudo, que esta pandemia do COVID 19 vai exigir de todos nós várias respostas concretas.
Desde logo, ao Estado. Terá que olhar com mais atenção para o problema do envelhecimento em Portugal. Inevitavelmente terá que criar uma estrutura no Governo, a exemplo da Secretaria de Estado da Juventude, que ajude a implementar as politicas públicas desta área, do envelhecimento, e articule a relação entre a Saúde e a Segurança Social. Uma nova Secretaria de Estado para o Envelhecimento. Já é assim nos Governos do Reino Unido e da Alemanha.
Ao mesmo tempo, é necessário compreender que a divisão do país em regiões e a existência de coordenadores com legitimidade politica será fundamental para assegurar respostas coerentes a novas pandemias.
Depois às instituições da economia social. Precisam de compreender que determinados equipamentos coletivos, como os Lares ou ERPIs, precisam de um novo enquadramento e de um novo modelo que assegure conforto, tranquilidade e cuidados de saúde aos seus utentes. Será decisivo o trabalho que se venha aqui a desenvolver. As empresas que vão ter de saber orientar que as suas produções e reservas estratégicas não podem estar tão longe.
Finalmente, as pessoas para quem não só muda o comportamento na vida como também o seu relacionamento com os outros e com o mercado de trabalho. Cuidados acessórios vão ser agora mais frequentes.
Num outro plano, o pós-COVID 19 também nos vai chamar à reflexão. Na transição digital, no novo papel para o teletrabalho e as reuniões com apoio de meios audio-visuais. Uma das grandes diferenças foi o recurso a estas novas tecnologias para tornar mais próximo o que parecia mais difícil de alcançar.
Abre-se ainda um novo debate, em torno do uso dos dados pessoais, para controlar os movimentos das pessoas. Numa cultura como é a política ocidental, digna de tradições como as da revolução francesa ou inglesa será muito difícil procurar impor um modelo idêntico ao que fizeram em alguns países asiáticos.
Esta ideia de um “Big Brother” não faz parte do nosso imaginário de vida.
Para o plano internacional vai a minha ultima preocupação. A necessidade de afirmação de um Europa solidária, de uma Europa que se consiga recuperar e voltar a ter um papel decisivo nesta economia aberta em que vivemos. Daí que considere que vamos entrar num novo ciclo de globalização: mais equilibrado e mais regulado.
Depois qual o papel das superpotências no mundo divido entre uns Estados Unidos a querer ficar mais voltados para dentro de si mesmo e uma China com um desejo de querer se afirmar como uma grande potência económica e militar do século XXI. Será um século com mais interdependência entre todas as nações. Uma das lições que teremos de retirar deste período, para o momento pós COVID 19, é que a Europa terá de se afirmar estrategicamente no mundo. A China não poderá ser a fábrica e o armazém do mundo deixando-nos somente com as lojas e os escritórios.
Portugal terá também de retirar algumas lições e preparar-se para mudar o seu modelo económico e saber conservar o seu modelo social. Graças a ele, o Serviço Nacional de Saúde deu uma resposta que tranquilizou o país.É a hora de saber não desiludir os portugueses. Será, pois, a hora para se ter coragem para fazer as novas reformas que o mundo pós COVID 19 vai exigir.
texto publicado a 6 de maio
https://www.vozportucalense.pt/2020/08/03/covid-19-compacto-de-opiniao-pensar-o-futuro/